19 março 2009

Capítulo I: Recomeçar

Prólogo:


-Mamã, vamos brincar! - Gritava um rapazinho do lado de fora de uma janela.
-Agora não, meu querido. A mamã está muito cansada. - Respondeu uma mulher magra e bonita, de cabelo preto liso e muito brilhante e olhos púrpura que não pareciam reais. - Vai brincar com os outros meninos.
-Mas eu quero brincar contigo! Porque é que estás assim? É só desde que o papá se foi embora!
A mulher olhou carinhosamente para o menino e puxou com uma mão o cabelo para trás de uma orelha pontiaguda.
-Amanhã eu brinco contigo, meu filho. Mas sabes que eu não tenho tanta energia como o teu pai, que é humano. Tenho mesmo de descansar.
O pequeno acenou com a cabeça.
-Percebo. Mas amanhã tens de brincar comigo, está bem?
-Está bem... - respondeu com um sorriso amável - palavra de ninfa.
A rapazinho largou o parapeito da janela e saiu a correr para junto de outras crianças que o esperavam. A mulher recostou a cabeça na almofada de um divã, as roupas esvoaçantes pendiam-lhe do corpo, e adormeceu.
Quando o pequeno regressou, ao pôr-do-sol, vinha vermelho e cansado, mas feliz. Subiu lentamente os degraus da casa que mais parecia um templo e abriu a porta, que parecia gigante comparada com o seu tamanho.
-Mamã, já cheguei!
Como resposta, apenas ouviu umas passadas rápidas e pesadas que não reconhecia. Não via qualquer sinal da sua mãe.
"Talvez se tenha deixado dormir... vou acordá-la com jeitinho.", decidiu. Entrou na divisão em que estava a sua mãe quando lhe falara e o que viu deixou-o sem palavras.
-Não pode ser...
A divisão estava completamente destruída. Nos móveis e nas paredes estavam manchas de sangue ainda frescas. Na janela, uma silhueta fantasmagórica carregando um sabre e o corpo da ninfa já sem vida saltava o mesmo parapeito em que o menino se pendurara há poucas horas atrás.
-NÃÃÃO!!!!!!!! - Correu para a janela, desfeito em lágrimas, ainda sem acreditar no que via. Tentou avistar a silhueta, mas esta desaparecera completamente. Gritou.
-PORQUÊ? O QUE É QUE ELA TINHA FEITO DE ERRADO???
Por sua conta, naquela divisão em ruínas, naquele mesmo instante, sentiu um ódio terrível. Mas não queria vingança. Apenas perceber o porquê.


***


-Mãe... MÃE! NÃO!!!!!
Um rapaz acordou completamente espavorido no meio do chão. Era alto e magro, por volta dos 15 anos, com o cabelo castanho escuro comprido apanhado atrás por uma faixa e olhos verdes, e encontrava-se coberto de pequenas gotas de suor. Tinha a cara vermelha e a respiração ofegante.
"Outra vez o mesmo sonho", pensou. "Como se não me bastasse lembrar-me disso todos os dias, agora já nem de noite me posso tentar esquecer... nem que seja por um momento..."
Respirou fundo e levantou-se do chão. Os cobertores da sua cama estavam todos enrolados. Não queria voltar a adormecer, por isso assomou à pequena janela da sua roulotte e abriu lentamente o vidro.
-Já é quase meio-dia - murmurou. - Mal saio de um pesadelo sou forçado a entrar noutro...
Nas outras caravanas do parque começou a ouvir algumas vozes. Provavelmente tinha sido o último a acordar. Voltou a fechar o vidro e a cortina e dirigiu-se aos tropeções para o outro lado da apertada roulotte, onde tinha uma bacia com água e uma toalha. Lavou a cara e enxugou-se, quando de repente ouviu bater à porta.
-Akaite-sama, - disse uma voz hesitante por detrás da porta - não se esqueça de que tem um combate daqui a meia hora.
-Não precisas de o repetir. Eu sei tratar das minhas coisas!
A voz por detrás da porta não lhe respondeu e o jovem pensou que se devia ter ido embora.
Akaite não era o seu nome verdadeiro. Mas era assim que era conhecido por todos, pois sempre se recusara a dizer o seu nome às pessoas com quem trabalhava há já três anos. Era um lutador profissional bastante dotado, e por isso mesmo tinha sido obrigado a ficar pela empresa que organizava os combates. A verdade é que treinar com a empresa não o incomodava, o que ele realmente odiava era ter de lutar contra a sua vontade.
Enfiou pela cabeça uma t-shirt branca e vestiu uns calções vermelhos, e à saída da roulotte enfiou um par de ténis com um ar desgastado. Ignorando as pessoas à sua volta, dirigiu-se para o centro de uma concentração, onde se encontrava um ringue de combate. No centro do ringue, esperavam-no um homem bem vestido, baixo e gordo, com cara de safado, e um outro muito alto e musculado, vestido só com uns calções, que se entretia a olhar para a multidão com uma expressão desafiadora.
Passou por debaixo das cordas com desenvoltura e juntou-se aos dois, muito contraído. No mesmo instante, o homem baixinho e bem vestido sacou de um microfone e deu dois passos em frente, começando a gritar:
-Senhoras e senhores, amantes do desporto, finalmente o combate por que tanto esperavam! E agora, para a final do torneio de lutadores da Fighters Union, o tricampeão Suarez contra a mais recente estrela do mundo dos combates, o rapaz que ainda não foi derrotado, Akaite!!!
-O quê? - Riu-se Suarez, o homem dos calções - O tão falado Akaite Mão Vermelha é este pirralho? Não me façam rir!
-Já começa... porque é que não me podem levar a sério uma vez, só para variar? Evitava que tivesse de lhes dar com tanta força... - Murmurou o rapaz para consigo.
Ambos os lutadores se voltaram de costas e avançaram para cantos opostos do ringue. O baixinho continuava a falar.
-Relembro-vos que este é um combate totalmente sem regras! Aquele que derrubar o adversário , o deixar inconsciente ou matar é o vencedor desta final!
O rapaz engoliu em seco. Arrepiava-o a ideia de ser permitido matar o oponente como forma de ganhar o combate.
-Agora... COMECEM!
Suarez tinha um sorriso rasgado no seu rosto cínico. "Akaite" olhava para ele, tentando encontrar um ponto fraco. O brutamontes avançava para ele a passos largos, mas não se preocupou.
O punho de Suarez cruzou o ar com uma força tremenda, mas para o jovem ele movia-se em câmara lenta. Com uma rapidez incrível desviou-se do murro, saltou e antes que pudesse ser visto lançou um pontapé que acertou em cheio nas costelas do oponente. Este contraiu ligeiramente a expressão, mas não abandonou o seu ar sarcástico. Quando "Akaite" atingiu o chão sentiu um golpe fortíssimo nas costas e viu-se forçado a tossir.
"Este é resistente", observou. "Ou então finge muito bem."
Ignorando o sabor a sangue que começava a sentir na garganta, correu para Suarez e deu outro salto.
-Já não me vais apanhar com esse truque, pirralho! - Gritou o outro.
"Akaite" sorriu levemente e desapareceu do ar. Reapareceu no mesmo instante atrás dele e espetou-lhe um murro na coluna com uma força impensável para um rapaz daquela estatura. Suarez perdeu os sentidos e tombou. De todos os lados, a multidão gritava, uns aplaudindo e outros vaiando o vencedor. O rapaz baixou o olhar e cerrou os punhos.
Da mesma maneira como entrara, saiu do ringue ignorando tudo o resto e voltou para o parque de campismo sem uma palavra aos jornalistas que o cercavam com perguntas. Todos estavam admirados com a velocidade com que um miúdo de cerca de 15 anos derrotara o tricampeão de combates.
Voltou à roulotte, que se encontrava na zona mais afastada do parque, e voltou a olhar pela janela com uma expressão indiferente. Nesse instante, reparou que todos se tinham concentrado junto ao ringue e que só agora os guardas da empresa voltavam aos seus postos.
"Se eu conseguir passar até à entrada sem me reconhecerem e depois sair a correr... podia ser que..."
O seu coração começou a bater mais depressa e as pupilas dos olhos contraíram-se. Era a sua oportunidade de fugir dali. Sem hesitar, correu para o seu armário e tirou de lá uma camisola, um casaco e umas calças e vestiu-os à pressa. Sacou de uma faca, encostou-a à base do pescoço e cortou o cabelo por aí com um movimento brusco. Para esconder a cara, pôs um chapéu de lona que estava espalhado pelo chão enterrado quase até aos olhos e encostou-se à porta da roulotte, a respiração acelerava de ritmo a cada segundo. Quando os guardas passaram, e certificando-se de que não era visto por ninguém, esgueirou-se para fora da caravana, sempre a baixar a aba do chapéu para os olhos. Misturou-se com um grupo de pessoas que iam a sair do parque, trincando o lábio inferior para aliviar o nervosismo.
Estava cada vez mais próximo da entrada. Aqueles momentos pareceram-lhe os mais longos da sua vida, enquanto avançava em pequenos passos e quase a pisar os calcanhares do rapaz à sua frente. Se por acaso fosse reconhecido por algum dos guardas ou se o mandassem descobrir os olhos tirando o chapéu, estava tudo acabado.
Estava agora a dois passos da entrada. Estava tão tenso que só queria gritar, mas conteve-se.
Um passo. Sentia um nó fortíssimo no estômago. Um dos guardas olhou-o fixamente enquanto saía, mas "Akaite" evitou o seu olhar. Tentou concentrar-se em esconder a cara sem dar nas vistas.
O seu pé esquerdo tocou o chão ao de leve, e então olhou em volta. Estava do outro lado do portão.
"P-passei! Estou livre!"
Uma alegria tremenda apoderou-se dele. Inspirou profundamente e largou a correr sem olhar para trás quando o guarda que o fixava olhou noutra direcção.
O chapéu caiu-lhe com o vento, estava agora com a face a descoberto, mas não importava mais. Mesmo que não estivesse de costas para todos, à velocidade a que ia seria impossível reconhecê-lo com as roupas e o cabelo diferentes. Só dariam pela sua falta muito provavelmente à hora de jantar, quando fossem bater à porta da roulotte e a encontrassem vazia.
"O meu nome é Seishin Kuroi... e juro que nunca mais deixará de o ser!!!!"
















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Edição - 22 de Março de 2010: As ilustrações foram substituídas por novas versões melhoradas.

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