27 maio 2009

Capítulo IV: Humanidade

-Hyoumaru-saaan!!! Abra a porta!
-Kuroi-kun, não vale a pena. É óbvio que ele não está em casa... - disse Sochin.
Kuroi acenou com a cabeça e baixou o punho com que batia na pesada porta de carvalho.
-É estranho, - Disse - o Hyoumaru-san nunca sai de casa.
Makoto estava uns passos mais atrás, mirando a enorme casa feita no estilo de uma mansão antiga. O contraste com os edifícios modernos do resto da cidade era enorme.
-Ei, miúdos, o que é que estão aí a fazer? Ponham-se a andar! - Gritou alguém.
Os três amigos voltaram-se e viram chegar um homem na casa dos 50, que se dirigia para a porta num passo apressado. Nenhum deles proferiu uma palavra, mas também não saíram do mesmo sítio.
-Não me ouviram? Vão-se embora! - reforçou ele.
-Hyoumaru-san, sou eu, o Kuroi! - Disse o rapaz, chamando-lhe a atenção. Hyoumaru parou de rodar a chave na fechadura e olhou para ele.
-O filho do Seishin?
Kuroi assentiu.
-Desculpe aparecer sem avisar, mas precisava de falar consigo. - Depois, apontou para os dois irmãos. - Não precisa de se preocupar com eles, vieram comigo.
-Muito bem, então. - respondeu Hyoumaru, abrindo por fim a porta. - Entrem, vou preparar qualquer coisa.
Passaram por um estreito corredor alcatifado e com aspecto acolhedor.
-Senpai! - sussurrou Makoto, dando a Kuroi uma pancadinha no ombro. - Já nos podes explicar o que se passa?
Kuroi suspirou. Entraram na enorme sala de estar e sentaram-se, os dois irmãos muito nervosos. Kuroi estava, ao contrário deles, muito à-vontade naquele lugar.
-...Então? O que é que tens para nos dizer? - Replicou Sochin, quebrando o silêncio.
-Estava a pensar em como vos começar a explicar para não parecer ridículo, - Disse. - mas não há nenhuma maneira de o fazer.
Depois, sorrindo, continuou.
-Basicamente, há dois mundos que coexistem nesta dimensão. Um deles é este, o mundo dos humanos, e o outro é Dreffel, onde eu nasci. Sei que parece um disparate, mas...
-Continua. - Interrompeu Makoto. - Se acreditamos ou não, isso é algo que ainda não podemos decidir.
Kuroi assentiu.
-Acontece que Dreffel, apesar de semelhante, funciona de uma maneira muito diferente deste mundo. A sua governadora suprema é a deusa Tyfar, sobre quem, sinceramente, não sei muito. Sei apenas que as suas 13 filhas, as ninfas sacerdotizas, são as suas mensageiras, fazendo cumprir as leis que regem Dreffel. Uma dessas leis era-lhes dirigida: "As sacerdotizas devem manter-se puras e nunca contactar com humanos". Heh... todas acabaram por quebrar essa lei.
-Mas o que tem isso a ver contigo? - Perguntou Sochin.
-Calma, já vais perceber. - Respondeu Kuroi. - Os dois mundos são separados por uma barreira frágil, e alguns humanos são mesmo capazes de a atravessar. Por isso não era raro haver visitas dos humanos que conheciam a existência de Dreffel. E foi isso mesmo que aconteceu um dia. Um grupo de humanos atravessou a barreira e, após algum tempo, descobriram a existência das ninfas por um mero acaso. Acabaram seduzidos por elas e... bom, penso que não tenho de explicar o resto. Quando Tyfar descobriu ficou furiosa por ter sido desobedecida, mas não foi capaz de matar os humanos e as próprias filhas. Então enviou-as para um local entre os dois lados da barreira, onde pudessem viver sem nunca voltar a Dreffel, mas de onde pudessem vir ao mundo dos humanos caso assim desejassem. E, bem... eu sou o filho de uma dessas ninfas com um humano.
Depois fez uma expressão enfadada, pigarreou e continuou.
-Apesar de o meu lado humano me dar algumas... vejamos... limitações, também herdei algumas das capacidades da minha mãe. Creio que já viram uma delas... a de transporte, estou enganado?
Makoto pensou por uma fracção de segundo e depois respondeu:
-Sim, já vimos. Mas espera lá, então o Genji também é filho de uma dessas ninfas?
Kuroi acenou afirmativamente com a cabeça.
-Mais tarde, quando já estava neste mundo, vim a saber que todas as ninfas foram assassinadas no mesmo dia e da mesma forma que a minha mãe. Alguns humanos e os filhos voltaram a este mundo, como eu e o meu pai, mas não sei quais. Já nem me lembro sequer dos nomes deles...
-Senpai... não entendo. Não entendo como podes falar com tanta naturalidade do que aconteceu à tua mãe. - Disse Makoto, mais para o ar do que para ser ouvido, fitando um ponto na parede à sua frente. - Se fosse comigo, acho que...
-E lamentar-me, ia servir de alguma coisa? Talvez com humanos não seja assim tão simples, mas eu tive de me adaptar à situação e aceitá-la. O passado não pode ser mudado, afinal de contas.
Sobre eles abateu-se um silêncio aterrador, pois nem Makoto nem sochin conseguiram encontrar uma resposta.
Ao fim do corredor ouviam-se os passos do dono da casa. Hyoumaru assomou à entrada da sala, carregando um tabuleiro com três copos de sumo instantâneo e três sandes.
-Aqui têm. - disse. - Não é muito mas, como devem calcular, não esperava visitas.
-Não precisava de se incomodar connosco... - Começou Kuroi.
-Não é incómodo nenhum, além do mais é sempre agradável rever o filho de um velho amigo. - Depois pigarreou. - Mas, afinal, a que se deve esta passagem tão súbita por aqui?
Kuroi tirou um palito que estava espetado numa das sandes e começou a trincá-lo nervosamente.
-Gostava de saber o que descobriu nos últimos três anos. Já deve ter-se dado conta que estive, por assim dizer, ocupado.
Hyoumaru acedeu.
-Até agora não descobrimos nada de relevante. Tudo continua a apontar para que tenha sido tudo ordenado por Tyfar.
-Certo... Você sabe bem que não consigo acreditar nessa tese. A minha mãe, em vida, sempre a defendeu como uma deusa bondosa e justa.
Fez uma pequena pausa, fechou os olhos e continuou.
-Se eu pudesse voltar a Dreffel, nem que fosse só por pouco tempo, tenho a certeza de que ia esclarecer muita coisa. Raios... Se não fosse o facto de eu não poder atravessar a barreira por causa da punição...!
Sochin, que já começara a comer, engoliu e parou por um instante.
-O teu pai ainda é capaz de atravessar a barreira, certo? A punição só se aplicava às ninfas. Porque não lhe pedes que te leve até lá?
Hyoumaru levantou o sobrolho e fitou a rapariga, virando-se de costas para Kuroi, que gesticulava negativamente.
-Kuroi-kun, - disse, voltando-se novamente para ele - a tua amiga é bastante esperta... a ideia é boa. Porque não fazes isso?
-Está fora de questão! - Respondeu Kuroi, enervando-se ligeiramente. - O meu pai é a última pessoa a quem eu vou pedir ajuda. Vou chegar a Dreffel, mas à minha maneira.
-E como estás a pensar fazer isso? - Disse Makoto.
-Não sei, não faço a mínima ideia. A única coisa que me ocorre é arranjar um modo de levantar a restrição.
-Isso parece-me um beco sem saída...
-Quando se está num beco sem saída, o natural é dar-se a volta e ir-se por outro caminho. - Respondeu. - Hyoumaru-san, ainda tem aquela lista de todos os humanos vivos capazes de atravessar a barreira?
Hyoumaru acenou afirmativamente.
-Achas que o assassino era humano?
-Tenho quase a certeza. - Respondeu Kuroi. - Aliás, se não tivesse nunca teria vindo para este mundo. Sinto que era humano.
-Muito bem. - O homem levantou-se da poltrona onde estava sentado e abriu uma das gavetas de uma velha secretária que se encontrava a um canto e na qual nenhum deles tinha reparado. Tirou de lá um pequeno caderno de apontamentos antigo e voltou a fechá-la.
-Toma, - disse, entregando-o a Kuroi - espero que te seja útil.
Kuroi baixou ligeiramente a cabeça em sinal de agradecimento, terminou a sua sandes rapidamente e levantou-se.
-Muito obrigado. Agora, vamos andando.
-Mas ainda não acabei a minha sandes! - Indignou-se Makoto.
Mas Kuroi e Sochin já estavam à porta, apenas à sua espera.
-Bem... - Levantou-se com uma fatia de pão na boca, fez um gesto de agradecimento a Hyoumaru e correu para se lhes juntar, acabando de comer atrapalhadamente.
Quando os três saíram, finalmente, Hyoumaru voltou a atirar-se para a poltrona e suspirou.
-Aquele miúdo... - murmurou para consigo. - Incrível. Continua a odiar o Seishin e apesar disso, quando falo com ele parece que estou a falar com o pai. São mesmo parecidos em certos aspectos...
De repente olhou para a mesinha de centro e ficou sem fôlego. Sobre o tampo de madeira envernizada encontrava-se uma rosa azul acabada de colher.
"Oh não!", pensou, aflito. "Eles já não estão a salvo!"
De repente sentiu uma pontada nas costas e assim tombou sobre os joelhos, inanimado.

Sem comentários: