01 março 2010

Capítulo XII: Ataque inesperado

Kuroi e Ken'ichi chegaram em pouco tempo ao acampamento. Enquanto Ken'ichi reunia as munições, o mais novo procurava Makoto e a irmã nos arredores.
Foi encontrar o rapaz junto a uma árvore e um pequeno lago, as únicas coisas que se destacavam na paisagem uniforme de ervas altas.
-Então estás aqui! - exclamou.
O loiro voltou-se para ele, assentindo.
-Estava a ver se encontrava a Sochin. Estou preocupado, ela foi dar uma volta com aquele bicho lilás e ainda não voltou. Estou à espera que apareça. Mas passou-se alguma coisa?
Kuroi acenou com a cabeça.
-Eu e o Ken soubemos que um grupo de humanos está a chantagear os cidadãos. Raptaram um miúdo e estão a usá-lo como refém para conseguirem provisões. Sabemos que estão armados, mas não fazemos ideia das capacidades deles. Vamos tentar atacá-los no seu acampamento a sul daqui.
-Eu e a Sochin também...?
-Não. Vocês estão mais seguros aqui. - Respondeu Kuroi, entregando-lhe dois pedaços de pergaminho com inscrições. - Se não voltarmos até amanhã à noite, quero que vão para o porto da cidade e apanhem o navio sem nós.
Makoto mostrou-se visivelmente indignado.
-Nem pensar! - Exclamou, arrancando-lhe os bilhetes da mão bruscamente. - Não vou deixar que vocês fiquem com a diversão toda. Vou também e ponto final!
O mais velho suspirou.
-Nem penses em meter-te em nenhuma luta. Ainda não estás minimamente preparado!
-Bah. Que seja. Só não quero ficar aqui à vossa espera. - Respondeu o loiro.

***

Não muito depois, os três rapazes estavam prontos para partir.
Makoto inquietava-se, cada vez mais desconfiado com a ausência da irmã durante tanto tempo. Queria ter a certeza de que ela estava bem antes de partir.
De relance, viu um pouco do interior da sua tenda. Estava mal fechada.
-Que se passa? - Perguntou Kuroi, ao ver o amigo dirigir-se para o interior. - Esqueceste-te de alguma coisa?
-Não é isso. Alguma coisa está errada com esta tenda.
Deixando Ken'ichi com os últimos detalhes do ataque, foi dar uma olhadela.
A tenda estava mergulhada no caos. Os sacos-cama, já guardados, estavam espalhados no meio de malas e cobertores revirados. A própria estrutura parecia mal encaixada, como se alguém tivesse entrado à força.
Makoto ficou paralisado, adivinhando o que acontecera. Kuroi colocou a mão no seu ombro, tentando acalmá-lo. O rapaz começou a tremer de nervosismo.
-O que é que aconteceu aqui...? - Murmurou, com a voz a tremer. - O QUE É QUE AQUELES MALDITOS LHE FIZERAM???
Levantou-se sem mais uma palavra e largou a correr sozinho, cego de raiva. Kuroi tentou impedi-lo, mas algo lhe disse que seria melhor não o fazer. Só arranjaria problemas.
Correndo a uma velocidade de que nem se sabia capaz, Makoto correu ao longo da muralha até o perderem de vista. Na sua mente, o único pensamento que cabia era agora o de salvar a sua irmã.

***

-O que é que fazemos agora? - Perguntou Ken'ichi, apanhado de surpresa pela súbita fuga de Makoto.
-Parece-me bastante óbvio. - Respondeu Kuroi. - Temos de o alcançar antes que algo de mais grave aconteça.
O mais velho acenou, levantando-se para alcançar o irmão, que já começara a correr.
-Mas não entendo. Porque é que não o impediste?
-Ele não ia parar, fizesse eu o que fizesse. Só se iria enervar ainda mais. - Respondeu o mais novo. - Era capaz de jurar que ele está disposto a dar a vida para trazer a irmã de volta, se fosse necessário.
Ken'ichi sabia bem o que o irmão estava a pensar. Apesar de se tratarem entre si como iguais, estavam longe de ter a mesma proximidade de Makoto e Sochin. No entanto, era estranho como muito provavelmente estariam dispostos a fazer o mesmo.
Aumentaram a velocidade à medida que ganhavam impulso. Ainda era possível ver as marcas das pegadas de Makoto na terra húmida e nas ervas dobradas, apesar de conseguirem perceber que o rapaz já ia bastante à frente. Seria impossível alcançá-lo antes que chegasse ao acampamento.
-Não podes transportar-nos até lá? - Perguntou o mais velho.
Kuroi acenou negativamente.
-Só consigo usar o transporte a distâncias muito curtas e dentro do meu campo de visão. Com estas limitações, demoraríamos mais do que a correr.

***

Makoto continuava a apressar-se na direcção do acampamento. Já o avistava na orla da muralha, distribuído por um espaço surpreendentemente amplo. As tendas, mais do que um simples acampamento precário, pareciam formar um autêntico anexo da cidade rodeado por um alto muro de troncos cheio de farpas que impossibilitavam a escalada. Estavam ali para ficar.
Deu uma volta em redor, sem sucesso. O muro era totalmente fechado.
"Bolas, não contava com isto!", lamentou-se para consigo.
Agora que parara, a sua raiva tornara-se frustração. Sochin estava lá dentro, algures, e não era capaz de a resgatar antes que algo de mal lhe acontecesse.
Sentou-se na terra, encostando-se no muro entre duas farpas e dando uma pequena cabeçada que nem se deu a sentir, absorto no seu desespero, com o rosto e os braços batidos pelo vento gelado. Se não encontrasse rapidamente uma entrada, ia congelar ali.
De repente ouviu um pequeno estalido, parecido com um partir de galhos finos. voltou-se para o muro mesmo a tempo de ver um pequeno animal lilás, meio assustado, que saía do interior e atravessava o muro como se ele não estivesse lá.
-Almoço! - Exclamou, pegando no falcão com ambas as mãos. Este bicava-lhe os dedos suavemente, reconfortado pela presença de alguém conhecido.
Intrigado, foi de gatas até ao sítio onde tinha visto o animal atravessar. Tacteava a madeira quando a sua mão a atravessou completamente num ponto, causando-lhe um enorme arrepio espinha acima.
"Muito bem, é aqui.", pensou. Começava a adiantar-se, quando se lembrou de que Kuroi e Ken'ichi provavelmente viriam no seu encalço e poderiam não dar com a entrada.
Tirou do cinto um rolo de corda, atou uma ponta à farpa mais próxima e atirou o resto para o interior, de modo a que ficasse suspensa entre os dois lados. Desse modo aperceber-se-iam da passagem dissimulada com o portal.
Engoliu em seco e atirou-se repentinamente, para evitar sentir o mesmo arrepio.
Foi cair no chão de terra seca, esfolando a cara e os cotovelos. Pelo menos o ardor distraía-o do nervosismo. Mas agora que entrara, punha-se um novo problema: as tendas eram às dezenas e seria impossível procurar por Sochin numa delas sem ser descoberto.
-Bolas! - Exclamou.
Depois entrou em pânico; ao que parecia, dois homens tinham-no ouvido e aproximavam-se para averiguar de onde viera o som.
-Também ouviste uma voz? - Perguntou um homem, surgindo por detrás de uma tenda.
-Sim, acho que ouvi algo. - Respondeu outro.
Apertado à pressa entre uma tenda e o muro, Makoto sentia que o seu coração lhe ia sair pela boca a qualquer momento.
O primeiro homem era gordo, com o cabelo negro, liso e oleoso a cair-lhe quase até aos ombros. Tinha uma barba também negra e crespa, que parecia não ser aparada há semanas. O outro era alto, muito musculado e calvo. Os olhos minúsculos mal se notavam no meio do rosto cheio e antipático. Os braços estavam cobertos de tatuagens de arame farpado, que parecia rasgar a carne ao enrolar-se sobre ela. Era uma visão particularmente desagradável.
-Olha-me só aquilo! - Exclamou o gordo, apontando para baixo.
Almoço, que seguira Makoto de volta para o interior, não se escondera com ele.
"Se vem ter comigo agora, estou feito!", pensou o rapaz. "Bicho estúpido."
-Achas que foi o pássaro que falou? - Interrogou o careca, coçando a calvície com ar indignado.
-Não é óbvio? Toda a gente sabe que os papagaios como ele conseguem falar!
Makoto fez um esforço para não rebentar a rir. "PAPAGAIO? Mas estes tipos são estúpidos?"
-Talvez tenhas razão. Cá para mim enfiaram-no cá dentro para nos distrair e estão a tentar invadir pelo outro lado!
-Aniki, és tão inteligente! Que perspicácia!
-Vamos, temos de parar esta invasão! Não há tempo a perder!!!
Dito isto, largaram os dois a correr na direcção oposta até o rapaz os perder de vista.
-Mas que dois idiotas. - Murmurou. Saiu de detrás da tenda e recolheu o falcão no bolso das jardineiras. Correu para a tenda mais próxima, ajoelhou-se e levantou um pouco da lona para espreitar. Nem sinais da irmã.
Continuou a fazer o mesmo nas tendas em redor. Enquanto os homens estivessem concentrados no outro extremo, teria tempo de sobra para averiguar.

***

-Porco, traste!!! Vais pagar bem caro por isto, ouviste?! - Gritava Sochin, enfurecida.
Estava de joelhos no chão de uma tenda, com os braços e os pés atados. Uma mulher de cabelo encaracolado, com olhar paralizante e vestida com roupas de couro negro e justo, mantinha-a no chão agarrando-a pelo cabelo. Sentado num cadeirão alto, oculto pelas sombras, estava um jovem cujo rosto não conseguia discernir com clareza.
-Cala-te, sua peste! - Disse a mulher, dando-lhe uma joelhada nas costas que a fez tossir um pouco de sangue. - Mostra algum respeito na presença do nosso líder!
-Não faz mal, Hella. Ela vai aprender. Não a magoes demasiado, é humana. - Interrompeu o rapaz, com uma voz que não lhe era estranha. - Temos de a manter viva... ainda. Será muito mais divertido acabar com ela em frente dos amiguinhos... Não é, Sochin-san?
Seguiu-se um riso escarninho de arrepiar a alma.
-ÉS DESPREZÍVEL!!! - Voltou a proferir a rapariga, calando-se de seguida. Hella começava a puxar-lhe o cabelo com mais força, causando-lhe dores que lhe davam vontade de gritar.
A um canto, um rapazinho amarrado quase passava despercebido. Deitado de lado no chão, voltado para o oleado, o pequeno de cabelo vermelho-escuro que descaía sobre os olhos estremecia com cada palavra, aterrorizado. Murmurava para si mesmo a mesma frase, inúmeras vezes, com a sua voz trémula e embargada de medo:
-Eu quero ir para casa.

Sem comentários: