12 abril 2010

Capítulo XIII: Resgate

Makoto começava a ficar novamente impaciente à medida que vasculhava as tendas uma a uma. Tentando não ser visto, deslizou por uma passagem até à área seguinte. Engoliu em seco; à sua volta todas as tendas estavam guardadas, como se contivessem algo importante, mais que simples mantimentos. Sochin estaria provavelmente naquela zona, mas seria quase impossível não ser detectado.
Esgueirou-se silenciosamente pelo pouco caminho oculto que lhe restava. Estava quase a conseguir levantar um oleado quando pisou um galho seco que não tinha visto. O barulho alarmou um dos seguranças.
"Raios!", pensou para consigo, vendo a silhueta de um homem surgir por detrás da tenda. "Não vou conseguir escapar-me deste."
Respirou fundo com os olhos fechados, para se concentrar. Quando partira a correr estava bem consciente de que teria que lutar, mas agora que chegara o momento não se sentia preparado para um combate a sério.
"Quem me dera que o Kuroi-Senpai estivesse aqui... Ele sabe sempre lidar com este tipo de situações."
Aproveitou os últimos momentos a salvo para se posicionar, pronto para um ataque. O homem, alto e magro, usando apenas uma camisola sem mangas e umas calças, aproximou-se e estendeu uma mão, agarrando Makoto pelo colarinho sem que este, paralisado pela ansiedade, pudesse reagir. As suas mãos tremiam e nesse momento sentiu uma enorme raiva de si mesmo.
Por ter agido sem pensar.
Por ter deixado que Sochin andasse sozinha.
Por não ter dado a Kuroi oportunidade de o ajudar.
E por, num momento crucial, lhe faltar a coragem necessária.
Afinal, apesar de todo o tempo que passara a practicar, não passava de um miúdo de 14 anos que se metera no meio de um jogo cheio de perigos que nunca tivera em conta.
-Então, pigmeu? - Gozava o homem. - Não dizes nada? O gato comeu-te a língua? Oh, espera. Não me digas. Vieste salvar a menina e agora és tu quem precisa de ser salvo. Que foi? Não tens coragem para dizer nada? - Dizia, sacudindo-o com a mão.
Aquele riso provocador ecoava-lhe nos ouvidos e enchia-o de ainda mais raiva. Levantou um braço e agarrou a mão forte que o segurava, cravando-lhe as unhas na pele.
-Abre essa boca suja outra vez, - Cuspiu com desprezo. - e eu já te digo onde é que vais enfiar o que acabaste de dizer.
O homem ainda não tinha acabado de digerir estas palavras e já Makoto se soltava com um forte pontapé no seu estômago, atirando-se para trás. Retomou o equilíbrio e deu um passo em frente, de cabeça baixa e olhar desafiador cravado no adversário. A respiração ofegante normalizou-se e o ar frio deixou de o incomodar.
-Fedelho. - Cuspiu o homem, estalando os dedos. Levou a mão a uma bolsa que trazia presa às calças e tirou de lá uma ponta-e-mola de cabo vermelho sangue.
O rapaz sentiu um leve arrepio na espinha ao ver a lâmina de aço que reflectia a luz. A luta acabara de se tornar ainda mais desequilibrada.
Recordou-se do treino com Kuroi nessa manhã. Mesmo estando em frente a um adversário armado, não poderia ser demasiado diferente do que o amigo lhe ensinara.
Traçou um plano enquanto se esquivava por pouco a um primeiro ataque directo. Se conseguisse desarmar aquele homem, poderia ter uma hipótese contra ele.
"Um primeiro ataque, para distrair o inimigo... CÁ VAI!!!"
Carregou em frente com um só impulso, evitou a lâmina reluzente da ponta-e-mola e simulou uma tentativa de agarrar a mão que a segurava. Foi imediatamente repelido para o lado com um só movimento, o que não o surpreendeu. Era precisamente o seu plano.
Aproveitou-se da sua agilidade para escapar ao olhar do homem, que num instante o perdeu de vista e ficou sobressaltado. Foi surpreendido por um pontapé nas costas que apenas o magoou ligeiramente. No entanto, a surpresa fê-lo largar a faca da mão, ocasião que Makoto aproveitou. Quando o homem se preparava para a voltar a apanhar, viu o rapaz deslizar pelo chão entre as suas pernas e tomar a arma nas mãos. Rebolou dois metros para a frente e pôs-se de pé com um salto. Na sua mão esquerda brincava com a ponta-e-mola, agora de lâmina recolhida.
-Fedelho desgraçado, vou matar-te!!!
Makoto forçou um sorriso desafiador. O homem já não estava para brincadeiras e seria capaz de jurar que o mataria mesmo se tivesse oportunidade.
Desarmado, o guarda lançou-se em corrida desenfreada contra Makoto.
Este pressentiu a sua grande oportunidade e saltou também em frente, para os ombros do homem. Tudo o resto se desenrolou a uma velocidade incrível.
Em pleno ar, o rapaz sacou a lâmina de dentro do cabo. Passou de raspão pelo ombro do adversário e com o braço esquerdo, onde tinha mais força, agarrou-lhe o pescoço. Colocou-se por trás, apertando o braço fortemente na garganta do guarda e com a ponta-e-mola a postos para desferir um último golpe. Baixou-a repentinamente contra a sua cabeça, mas recolheu a lâmina no último segundo. Um baque do cabo no meio das sobrancelhas fê-lo cair no chão, sem sentidos. Makoto saltou para não cair também e sorriu de satisfação.
Derrubara o seu primeiro obstáculo.
Sem ver mais ninguém que tivesse reparado nele nos arredores, guardou a ponta-e-mola num dos bolsos do cinto e seguiu, com cuidado para não tropeçar no guarda derrubado.
Alguns passos mais adiante, avistou uma tenda quadrada guardada por duas figuras familiares: os mesmos dois homens que patrulhavam a entrada oculta do muro, cada um numa esquina em redor da entrada da tenda. O gordo parecia roer as unhas displicentemente, enquanto que o careca catava uma narina com o dedo mínimo e limpava a mão nas calças.
-Nojentooo! - Murmurou Makoto para consigo, fazendo uma careta e sacudindo a cabeça, arrepiado. Voltou a centrar a sua concentração na irmã e avançou sub-repticiamente para perto da esquina onde estava o gordo.
Contou até 10 para si mesmo e pigarreou de forma audível. Ao ver o homem parar de roer as unhas e dobrar a esquina sem uma palavra, curvou o tronco para baixo e disparou um pontapé semicircular que lhe acertou em cheio no nariz. Caiu no chão e Makoto deu-lhe uma pancada na nuca com o sabre da mão, deixando-o inconsciente antes que pudesse gritar. Voltando a inspirar fundo, o rapaz olhou em volta em busca de algo para neutralizar rapidamente o outro. Encostado à armação de uma tenda próxima estava um monte de tábuas de madeira.
O careca continuava a catar o nariz, parando por vezes para contemplar a massa pegajosa que se prendia na unha amarelada. Atirou-a para a relva e voltou a esfregar a mão na anca.
-Hey, ranhoso!!!
No mesmo momento em que se voltou, o homem levou com uma forte pancada de tábua em cheio na cabeça. Nem teve tempo de se aperceber do que o atingira.
-Que idiota! - Proferiu Makoto, com uma expressão de troça.
Olhou de soslaio pela abertura da lona.
Destacava-se, no chão, a sombra de um rapaz sentado num cadeirão. Logo a seguir apercebeu-se de uma mulher de cabelo preto encaracolado e curto, toda de preto, que mantinha sob vigia duas crianças. A primeira era um rapazinho pequeno, deitado no chão de costas. A segunda era Sochin.
-SOCHIN!!!- Gritou, entrando pela tenda dentro, ofegante. Correu para a irmã, ignorando a mulher, ajoelhou-se junto dela e abraçou-a.
-Onii-chan... - Murmurou a rapariga, enfraquecida. Com uma pequena lágrima no canto do olho, descansou a cabeça no ombro do irmão. - Não devias ter vindo sozinho.
Makoto voltou a cabeça mesmo a tempo de ver Hella brandir um chicote na sua direcção e resvalou para o lado, sendo atingido apenas num ombro.
Já exausto por se ter infiltrado, era incapaz de se esquivar. Era ameaçado por muitos outros golpes, cada vez se desviando menos. A voz sarcástica do rapaz na penumbra rebentava numa gargalhada profunda e sádica com cada chicotada.
-É tão patético!!! - Berrava pelo meio dos risos. - Nem se conseguiu conter ao ver a irmã!
Levado pelo divertimento que sentia, levantou-se e saiu da sombra.
-Podes parar, Hella. Este palerma não se consegue mexer mais.
Ao ver o rosto do rapaz, Makoto cerrou os punhos no chão e o rosto ferido contraiu-se num esgar de ódio. Desejou profundamente não ter entrado a correr, pois nunca poderia vencer aquele adversário.
Sochin trincou o lábio inferior, tentando conter o choro de medo que lhe teimava em sair.
À frente de ambos, Genji juntava-se à estranha mulher com um sorriso vitorioso.
De repente ouviu-se um estampido e algo passou de raspão pelo seu ombro a grande velocidade. Os olhares dirigiram-se para a entrada; um jovem alto, mais velho que Genji, empunhava um revólver contra este. O cano da arma fumegava após disparar um tiro.
-Ken'ichi-san!!! - Exclamaram os irmãos, surpreendidos.
Ken'ichi fez sinal a Makoto para que se levantasse enquanto as atenções estavam centradas em si. O mais novo assim fez, de cabeça baixa, envergonhado.
Atrás do mais velho surgiu Kuroi, com uma expressão séria e inclinando a aba do chapéu sobre os olhos.
-Tal e qual como eu desconfiava... Genji. quem mais se serviria dos seus poderes para impressionar e reunir rufias? - Disse, em tom baixo e muito calmo.
Makoto baixou ainda mais o olhar para evitar cruzá-lo com o de Kuroi. Tentou esgueirar-se para desamarrar Sochin, mas Hella viu-o e aproximou-se dele com o chicote em riste.
Ken'ichi disparou outro tiro de aviso dirigido à mulher.
-Para trás. Garanto-te que o próximo não vai passar ao lado.
Com uma expressão de ódio nos olhos, esta recuou.
Kuroi fitou Genji desafiadoramente.
-Com que então, agora é a sério.
O outro retribuiu o olhar com um sorriso cínico. No instante seguinte estava atrás dele, empunhando uma adaga junto ao seu pescoço, que lhe roubara sem que se desse conta.
Com um movimento rápido do corpo, Kuroi libertou-se com um pontapé para trás. Apesar de o impacto ter sido fraco, foi o suficiente para desequilibrar o outro e fazê-lo desviar a lâmina.
Makoto desamarrou a irmã com desenvoltura e agarrou-a junto a si, aliviado. Esta soluçava de medo, mas a presença do irmão confortava-a.
Kuroi voltou-se por momentos para ambos.
-Não parem aí, saiam deste sítio rapidamente! - Gritou.
Os dois acenaram sem o enfrentar e correram por detrás do amigo. Este mantinha um olho em Genji para que não os seguisse.
O loiro olhou para o céu. Sem se dar conta, o sol tinha-se posto.
Respirou fundo, sentindo-.se horrivelmente. No fim de tudo nem tinha servido para nada.
Ouviu um restolhar na cobertura da tenda e voltou-se. Por debaixo da lona, uma criança de cabelo vermelho-escuro arrastava-se para o exterior, debatendo-se com as cordas que o amarravam.
-Dejai-kun! - Exclamou Sochin, correndo a desamarrá-lo.
-É este o miúdo que raptaram da cidade?
A rapariga acenou.
-Devíamos levá-lo à família.
O pequeno olhava para ambos, meio constrangido. Não disse uma única palavra.
-Seja, E a seguir vamos para o nosso acampamento, visto que já está muito escuro. amanhã ao anoitecer temos de estar prontos para partir.
Sochin pegou no rapaz pela mão com um sorriso e caminharam na direcção da cidade.
-Tenho fome. - Murmurou ele finalmente.
Makoto voltou-se para Dejai e estacou.
-Não é muito, -Disse. - nem grande coisa, mas se quiseres podes comer isto.
Esticou para ele uma mão que segurava uma bola penugenta lilás com dois olhos e um bico.
-Nii-chan!!! Nem penses! - Guinchou Sochin.
O rapaz suspirou.
-Tens razão. Não faz sentido comer o Almoço à hora de jantar.
Calou-se quando a irmã lhe lançou um olhar furibundo. Dejai pegou no animal com as duas mãos e sorriu.
-Um falcão lilás... é a primeira vez que vejo um, são muito raros!
Sochin sorriu de volta.
-Já calculei que fossem. Anda, a tua família deve estar preocupada.
-Está bem. - Respondeu o pequeno, voltando a dar a mão à rapariga e colocando o falcão sobre o ombro.

***

-Fartei-me. Fartei-me de ser sempre o mais fraco e de todos vocês fingirem que eu não existo. Fartei-me de perder contra ti. Fartei-me dos teus sermões e dessa tua maneira de ser, como se fosses um irmão mais velho a bater no mais novo quando ele faz asneira. Estou farto! KUROI!!!
O rapaz de cabelo castanho fitava Genji com seriedade.
-Mais farto estou eu de ti e da tua mania de te armares, e por acaso vês-me a reclamar como um palerma?
-NÃO ME PROVOQUES!!! - Gritou o outro. - Eu faço o que quero, e neste momento quero acabar contigo!
-Boa sorte a tentar. - Respondeu Kuroi. - Não posso deixar que continues a usar os teus poderes para benefício próprio dessa maneira.
Genji soltou uma gargalhada seca.
-Não te faças de santo, Kuroi. Fui pessoalmente à FU para me oferecer como encarregado da tua captura e ouvi alguns rumores bastante interessantes dos teus antigos colegas. Quem diria que o menino bonzinho teve uma fase malvada...
Kuroi sentiu as mãos tremerem e o suor a começar a escorrer na sua testa.
-É claro, - Continuou o outro. - para alguém como eu não seria nada de mais. Mas aposto que tu não queres que se saiba o tipo de coisas que já fizeste, ou queres?
Fora de si Kuroi atirou-se ao outro, que se deixou derrubar calmamente, e agarrou-o pelos colarinhos.
-Sacana!!! O que é que tu sabes? - Berrou, sacudindo-o furiosamente.
Genji sorriu para ele com malícia.
-Quem sabe... Juro que fiquei abismado com o que os teus amiguinhos me disseram de ti!
Voltando a uma normalidade afectada, o rapaz largou o outro e recuou.
-Era só um miúdo, não sabia o que estava a fazer. Eu não...
O rapaz de cabelo preto transparecia puro divertimento. Aproximou-se dele como se não fosse nada de mais e desferiu-lhe um murro no estômago, fazendo-o curvar-se e cair nos joelhos.
-Incrível. Bastou falar-te nisto e ficaste absolutamente sem defesas. Que ridículo.
Kuroi apertava a barriga com um braço e apoiava-se noutro, enraivecido.
"Acalma-te!", pensava para consigo. "Não tens nada a temer. Tu já não és assim!"
Ergueu o olhar ameaçador para Genji, refreando os nervos. Saltou em frente e desapareceu no ar, Genji voltou-se para trás a tempo de o ver reaparecer nas suas costas, desapareceu de novo e foi surgir acima do adversário. Esticou uma das pernas e desceu-a, pontapeando o outro no ombro com o calcanhar usando toda a sua força e saltou para o lado. Voltou-se, correu para ele enquanto caía e desferiu-lhe um último golpe, uma pressão sobre um ponto no lado do pescoço que actuou como um sedativo. Ergueu-se, vitorioso, e olhou em volta à procura de Hella, mas esta aproveitara a luta para escapar.
Inspirou fundo e tentou afastar da sua mente as sombrias recordações que Genji despertara. eram um passado já enterrado, pensou. Não devia pensar mais nisso.
Coçou a cabeça displicentemente, voltou as costas e saiu.
Na sua mente apenas remoía a ansiedade do que poderia acontecer se a Fighters Union tivesse mais enviados em Dreffel. Tinha de ser o mais rápido possível a voltar a casa e seguir com a investigação antes que fosse apanhado por algum ataque em larga escala, mas não era a própria segurança que o inquietava.
Nesse momento apercebera-se de que tinha três pontos vulneráveis que estavam em perigo pelo simples facto de estarem consigo.
Os seus amigos.

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